Dr. Osmar Ventris
Advogado, Pesquisador, Consultor e
Instrutor
na área de Segurança Pública
Municipal.
Ser Humano, Animal Social e
Político
O
ser humano é um animal essencialmente social, ou seja, só se concebe o ser
humano vivendo em sociedade, a exceção é muito rara. Por viver em sociedade
vive em constantes conflitos de interesses. Basta dois seres humanos viverem
juntos para que os interesses colidam.
Graças
à Política, é possível a convivência de grupos com interesse contraditórios
dentro da mesma sociedade.
De
fato, a política nada mais é de que a arte, ou ciência, de compor interesses
divergentes, de forma que atenda os interesses superiores da comunidade, ou
seja: o bem comum. Através da política são estabelecido normas de convivência.
São
Tomás de Aquino, repercutindo Aristóteles, afirma que: “o homem é, por
natureza, animal social e político, vivendo em multidão, ainda mais que todos os
outros animais, o que se evidencia pela natural necessidade. Afirma, ainda, que
a vida solitária é uma exceção”.
Diríamos
nós: o ser humano, por ser essencialmente social, é, por conseqüência, um
animal essencialmente político.
Por
ser um animal político, o ser humano consegue, mediante composição de
interesses contrários, estabelecer normas, regras de convivência, rever
conceitos, costumes e tradições adequando as normas jurídicas possibilitando o
progresso e o desenvolvimento social e tecnológico da sociedade.
As
regras que o Estado tutela são as LEIS, pois representam a soberania do Estado.
O Estado Moderno
O
Estado é a resultante da evolução natural das sociedades e do direito, sendo,
pois uma sociedade política e juridicamente organizada dentro de um território.
Com
a evolução da sociedade e, principalmente do Direito, chegou-se à concepção do
Estado, segundo alguns renomados doutrinadores, a mais perfeita e complexa
invenção humana até os dias de hoje. Nenhuma nação política e juridicamente
organizada prescinde do complexo engenhoso chamado Estado.
O
Estado, como sociedade política e juridicamente organizada, tem por finalidade
se constituir em meio para que os indivíduos e as demais sociedades internas
possam atingir seus respectivos fins particulares, desde que, esses fins não
prejudiquem os demais membros da sociedade.[1]
Elementos Essenciais do Estado
São
considerados, por alguns autores como elementos essenciais do Estado: a
soberania e o território. A maioria acrescenta o povo, fixando em três elementos
considerados essenciais para a existência e reconhecimento de um Estado.
Todavia, outros há que acrescentam um quarto elemento: a finalidade (do
Estado).
O
povo é o elemento essencial basilar do Estado. Para ele é direcionada toda a
ação do Estado, buscando proporcionar o bem comum.
As
ações do Estado Moderno deveriam visar essencialmente o bem estar comum do seu
povo.
Por
seu turno, o Papa João XXIII1 [2]conceituou o bem comum como: “o conjunto de
todas as condições de vida social que consintam e favoreçam o desenvolvimento
integral da personalidade humana”.
O
Estado, na verdade, é formado pela união dos indivíduos e a submissão destes a
um poder central em troca do bem comum, caracterizado, principalmente pela
segurança e sobrevivência. Evitar confundir povo com nação (indica comunidade)
e com população (não indica vínculo jurídico entre a pessoa e o Estado, sendo
mais uma expressão numérica, demográfica ou econômica).
A
soberania, no ensinamento do festejado Dallari[3]: “a noção de soberania está sempre
ligado a uma concepção de poder”, enquanto, Reale10 conceitua a soberania como:
“o poder de organizar-se juridicamente e de fazer valer dentro de seu
território a universalidade de suas decisões nos limites dos fins éticos de
convivência”.
A
soberania se caracteriza pela sua inalienabilidade, indivisibilidade,
imprescritibilidade e pela sua unicidade (aplicável a universalidade dos fatos
ocorridos no Estado). Por ser una e indivisível, não se admite num mesmo Estado
duas soberanias concorrentes, sendo inadmissível a existência de várias partes
separadas da mesma soberania; inalienável: pois aquele que a detém, ao ficar
sem ela, desaparece, seja o povo, a nação, ou o Estado. É imprescritível:
porque jamais seria verdadeiramente superior se tivesse prazo certo de duração.
Sinteticamente, podemos afirmar que um Estado é soberano quando pode exercitar
o poder de sua decisão.
A
soberania deve ser exercida sobre determinado território. Logicamente que este
poder é exercido sobre as pessoas que estão nesse território.
O
território delimita a raio de ação do poder soberano do Estado. Não existe
Estado sem Território.
Dos Agentes do Estado
Interessante
observar que um ESTADO para ser considerado e reconhecido internacionalmente
como Estado, deve obrigatoriamente apresentar os três elementos essenciais,
sendo que a falta de um só elemento coloca e a própria existência do Estado em
xeque!
Na
prática, é fácil visualizar a necessidade da existência de um povo dentro de
determinado território para se ter uma noção de Estado, porém nem sempre se
consegue visualizar a soberania como elemento essencial de um Estado, pois é
abstrata.
Assim
como, abstrato é o próprio Estado, eis originado de uma ficção jurídica: O
Estado é uma Pessoa Jurídica, portanto abstrata. Pessoa Física é concreta,
Pessoa Jurídica é uma abstração criada pelo Direito, pois somente as Pessoas
possuem Direitos e Obrigações!
Ocorre
que, sendo o Estado uma entidade abstrata e que para existir necessita exercer,
sobre a população em seu território, sua Soberania, que é também abstrata, nos
deparamos com a seguinte situação concreta:
-O Estado (abstrato), para
exercitar sua soberania (abstrata), se utiliza da AÇÃO HUMANA de seus agentes:
São os agentes do Estado (funcionários públicos e equiparados).
-Portanto, Agentes do Estado,
sejam na esfera da União; na esfera dos Estados-federados; seja na esfera do
Distrito Federal ou Agentes do Estado na esfera municipal, nada mais são do que
seres humanos que, mediante procedimentos legais, se predispõem a emprestar sua
ação humana para que o Estado venha concretizar a sua soberania!
Entendendo
a soberania como a “vontade” do Estado, surge uma questão:
- Qual é a ”VONTADE” do
Estado!(entidade abstrata?):
- VONTADE DO ESTADO É TÃO SOMENTE
A LEI. Seja ela justa ou injusta: cabe ao agente do Estado concretizar a Lei,
expressão máxima da soberania do Estado. Daí “o princípio do Direito
Administrativo: Todo servidor público só deve fazer o que a lei determina” Sim,
pois ele só é servidor público para tornar concreta a soberania do Estado.
Todos
os cidadãos devem lutar para que as leis sejam justas. Sendo injustas, cabe
mobilizar-se para o seu aperfeiçoamento. Porém, enquanto Agente do Estado em
serviço, ao agente do estado só cabe o cumprimento da lei, pois desta forma
estará, mediante sua ação humana, impondo a soberania do estado.
Um
agente do estado quando falha, é a soberania do estado que falhou, e daí, a
própria existência do Estado estar em xeque.
Todavia,
para que o Agente do Estado possa agir, como se fosse o próprio Estado agindo,
este agente é investido, pelo Estado, de um instrumento intimamente ligado à
sua Soberania.
PODER DE POLÍCIA
Este
Instrumento é o Poder de Polícia: instrumento do Estado, investido em seus
agentes, possibilitando aos mesmos, contrariar interesses individuais ou
coletivos, para impor a lei sobre o caso concreto, fazendo prevalecer a
“vontade do Estado” para o bem comum.
Como
o Estado é uno, sua soberania é una e, portanto, este instrumento, Poder de
Polícia, também é único. Não existe dois poderes de polícia! Assim, este único
instrumento é investido em todos agentes do estado para que seja usado na sua
respectiva esfera de competência.
Um
Guarda Municipal é um agente do Estado na esfera municipal. Portanto, investido
do Poder de Polícia. Conseqüentemente, um Guarda em ação é o Estado em ação
através da ação humana do Guarda Municipal (assim também através da Policia
Militar e outros funcionários Públicos legalmente investidos em suas funções).
A
Constituição Federal em seu Título V, trata da “DEFESA DO ESTADO E DAS
INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS”. Ora, defender o Estado é defender seu território,
seu povo e sua soberania, ou seja, a sua capacidade de se autogovernar impondo
suas leis sobre a população em seu território!
O
Título V da Constituição Federal em vigor só tem três Capítulos, nada mais!
Capítulo
I – DO ESTADO DE DEFESA E DO ESTADO DE SÍTIO: Não há o que muito se comentar:
trata-se de mecanismos e procedimentos excepcionais, legais, para DEFESA DO
ESTADO em situações de graves conflitos sociais, onde o Estado, através de
medidas do Presidente da República, ouvido o Conselho da República e o Conselho
da defesa Nacional, buscam restabelecer a ordem pública e a paz social recompondo
a soberania do Estado.
Capítulo
II – DAS FORÇAS ARMADAS: Destina-se à defesa da pátria e à garantia dos poderes
constitucionais. O foco principal é o inimigo externo, a defesa de nossos
limites.
Capítulo
III – DA SEGURANÇA PÚBLICA: visa a “preservação da ordem pública e da
incolumidade das pessoas e do patrimônio”
No
interior do capítulo III, tratando de Segurança Pública, o legislador
constituinte fez constar a possibilidade dos municípios criarem Guardas
Municipais, sob o pretexto de cuidar de bens serviços e instalações. Se o
Capítulo III fala de SEGURANÇA PÚBLICA e as Guardas Municipais estão inseridas
nesse Capítulo, não há o que se questionar: Guarda Municipal atua na Segurança
Pública. E mais, atua na Segurança Pública com a missão de “fazer valer a
soberania do Estado” , pois inserido no Título que expressamente cuida da
Defesa Do Estado e das Instituições democráticas. Observemos que são os únicos
servidores públicos municipais inseridos nesse título constitucional!
Portanto,
orientando, fiscalizando e impondo a lei, o GM atua segunda a “vontade
soberana” do Estado, sendo que, falhando o Guarda, é a soberania do Estado que
está falhando e, como vimos no início, o Estado para existir necessita de três
elementos essenciais: território, povo e soberania. Faltando um dos três a
própria existência do Estado está em cheque!
MISSÃO, FUNÇÃO E FORMA dos Guardas Municipais
Sobe
esta ótica, observemos que a MISSÃO do Guarda é o que prescreve o Título V da
Constituição: Defender o Estado e suas Instituições Democráticas. Devendo, pois
agir para que a soberania do Estado não seja posta em cheque. Para tanto, o
Estado investe no GM o instrumento chamado Poder de Polícia, exatamente para
que o Guarda possa, legalmente, contrariar interesses individuais ou coletivos
em defesa do bem comum e, ou defesa do próprio Estado, cumprir sua missão.
Para
cumprir sua missão frente ao TÍTULO V, o GM exerce sua função nos termos do
capítulo III do citado título, ou seja:: Atua na Segurança pública!
Para
cumprir sua missão, exercendo sua função, o GM atua na esfera municipal, com
trajes característicos, regulamentos e equipamentos próprios, conduta
operacional específica, etc. A Forma como se apresenta, se capacita e atua, é
decorrente da função do GM. E a Função, é decorrente da Missão do GM. E a
Missão é o Tituo V da Constituição Federal: Da Defesa do estado e das
Instituições democráticas.
Infelizmente
as Guardas Municipais em nosso país ainda são vistas com preconceito e má
informação, principalmente pela mídia e por “especialistas” em segurança
pública. Na verdade, assim como foi difundido pela elite e órgãos policias mal
preparados ou mal intencionados de que Direitos Humanos era coisa de bandido,
este fenômeno se repetiu afirmando que Guarda Municipal não tem poder de
polícia, e, antes do estatuto do Desarmamento, de que Guarda Municipal não
podia trabalhar armado.
E
as Guardas municipais têm uma vantagem: não estão contaminadas por muitos
vícios que os órgãos mais antigos já possuem... e mais, estão de mente aberta
para o novo, para o que há de mais moderno em termos de segurança pública com
respeito aos direitos do cidadão.
Hoje
está muito claro que segurança pública requer conhecimentos multidisciplinares
e não apenas conhecimento administrativo e operacionais policiais! Muitos
órgãos policiais, especialistas, agentes da mídia e até mesmo da população em
geral, acredita que segurança pública é assunto exclusivamente de polícia. E
não é! É, TAMBÉM, de polícia. Polícia age pontualmente. O código penal e o
judiciário agem pontualmente. Segurança Pública necessita do conhecimento de
múltiplas áreas: sociologia, psicologia, filosofia, economia, física, química,
história, geografia, informática, mecatrônica, administração, direito, etc.; E
o Guarda Municipal está receptivo a essas novas informações para que possam ser
empregadas na sua área de atuação.
Mas,
a atuação na área de segurança pública, para produzir os efeitos almejados pela
sociedade, necessita ter o cunho da transversalidade, ou seja: a polícia ou a
GM agindo solitariamente apenas estarão enxugando o gelo! Ação transversal
requer compromisso, atitude e ação das múltiplas secretarias de governos
municipais, estaduais e federal, incluindo órgãos privados, para numa ação
conjunto visando um objetivo comum, consigam o que foi conseguido no exterior
com o programa chamado “tolerância zero”.
Também
não há como se falar em prestar serviço de segurança pública para a população
sem saber que tipo de segurança e de policiamento a população deseja. A
população tem que ser ouvida. O serviço é direcionado para ela. Quantos
vereadores, prefeitos, comandantes têm encomendado pesquisas junto á população
para saber o que ela deseja de fato e como ela vê a instituição, o que a
sociedade espera da instituição. Na maioria das vezes, é prestado um serviço
que não é o desejado, tão somente para satisfazer o ego do detentor do poder
temporário frente à Corporação.
Da
mesma forma, não que se falar em prestar serviço de segurança eficaz sem
disponibilizar para as Guardas Municipais tecnologia adequada. Hoje, tudo é
feito com auxílio da tecnologia: desde receber salário até como gastá-lo e até
se endividar. Hoje, dar partida num carro não é um gesto puramente mecânico.
Até fazer pão! Há uma máquina que faz sozinho e apronta o pão na hora que você
determinar! Tudo é tecnologia, caso contrário há muito esforço para pouco
resultado.
No
entanto, há muitas guardas municipais em que a prefeitura não investe um tostão
em tecnologia...
Para
que a segurança pública municipal possa trilhar um caminho almejado pela
população, que nunca pediu para que se criasse Guarda Municipal para cuidar de
bens serviços e instalações, mas sim, para que melhorasse a segurança dos
cidadãos, de seus filhos em idade escolar, a classe política em nosso país deve
se re-empoderar do tema: SEGURANÇA PÚBLICA, pois não é caso exclusivo de
polícia nem de judiciário. Trata-se de relevante questão social, portanto
político!
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[1] De acordo com o Preâmbulo da
Constituição Brasileira/88, proclama-se:“Nós, representantes do povo
brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um
Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e
individuais, a liberdade, a segurança, o bem estar, o desenvolvimento, a
igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna,
pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na
ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias,
promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição Federativa do
Brasil”.
[2] Papa João XXIII, in Pacem in
Terris (Encíclica), 1,58.
[3] DALMO DE ABREU DALLARI. in
Elementos de Teoria Geral do Estado, Ed. Saraiva, 1986.
Sobre o autor:
Dr. Osmar Ventris
Advogado, Pesquisador, Consultor e Instrutor
na área de Segurança Pública Municipal.
Ser Humano, Animal Social e Político
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