Diante de inúmeros casos de prisões de
cidadãos que não renovaram o registro de arma e até, em alguns casos, da
negativa da Polícia Federal em renovar o registro de arma sob a
arbitrária justificativa de que o proprietário ”não comprovou efetiva necessidade”,
coagindo o cidadão a entregar sua arma, republicamos aqui o parecer do
Advogado, Professor Doutor Adilson de Abreu Dallari , consagrado Prof.
Titular de Dir. Administrativo da PUC/SP sobre o assunto, que pode ser
usado na defesa daqueles que estão sofrendo ou poderão sofrer essa
coerção estatal.
A publicação é de 2007, mas é
atualíssima nos fundamentos e neste momento em que talvez milhões não
tenham renovado seus registros de armas devido ao inferno burocrático
existente.
No item VI – Questão democrática – O resultado do referendo, aborda
a competência do Ministério Público que tem legitimidade e deveria agir
em defesa dos direitos da coletividade, mas por razões desconhecidas
até agora não agiu.
Sem
dúvida o advogado de defesa desses cidadãos pode e deve alegar
preliminarmente a inconstitucionalidade dessas draconianas disposições
legais em favor de seu cliente.
José Luiz de Sanctis
Renovação do registro de armas de fogo
Adilson Abreu Dallari*
“O efeito mais absurdo e mais perverso da temporariedade da licença é transformar alguém em criminoso “ex lege”,
contrariando a garantia constitucional no sentido de que ninguém será
considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal
condenatória.”
“O
que se pretende agora, com a absurda exigência de renovação do registro
é obter, com desvio de poder, aquilo que se perdeu nas urnas.”
I – Estabilidade das relações jurídicas, ou segurança jurídica
O Ministério da Justiça publicou, nos
principais jornais do país, anúncio de meia página concitando os
cidadãos detentores de armas de fogo legalmente adquiridas e devidamente
registradas (nos termos da legislação vigente na época da aquisição) a
renovar ou refazer o registro dessas mesmas armas, sob pena de, por
omissão, enquadrar-se no crime previsto no art. 12 da Lei nº 10.826 (clique aqui), de 22/12/03, punível com a pena de detenção, de um a três anos, e multa.
Trata-se
do mais abominável terrorismo oficial, destinado a fazer com que os
cidadãos, por medo, se submetam à violação de seus direitos
constitucionalmente assegurados. A mencionada lei,
conhecida como lei do desarmamento, contém um formidável repositório de
inconstitucionalidades, mas o que será objeto de exame neste estudo é,
especificamente, a questão da renovação do registro de arma de fogo.
Essa matéria tem como pano de fundo a
questão da estabilidade das relações jurídicas ou da segurança jurídica.
O direito tem como primeiro princípio, que justifica toda a ordem
jurídica, dar segurança, tranqüilidade, previsibilidade às ações
estatais.
Todo o arcabouço jurídico é delineado em função e tendo em vista a segurança jurídica, a estabilidade das relações jurídicas.
A desconstituição de situações jurídicas
consolidadas somente pode ser admitida excepcionalmente. Além disso, no
caso em exame, pretende-se subtrair direitos legalmente adquiridos por
seus titulares com base em normas cuja constitucionalidade é, no mínimo,
duvidosa, por estarem “sub judice”, conforme se abordará logo adiante.
Ou
seja, em termos estritamente jurídicos, o governo federal pretende
subverter totalmente aquele princípio primeiro e elementar, o principio
da estabilidade das relações jurídicas, instaurando a insegurança
jurídica, valendo-se, para isso, de uma ameaça, do constrangimento, da
certeza de que o cidadão comum tem medo das instituições.
Cabe esclarecer que, nos termos da lei
do desarmamento, não apenas as antigas licenças (regularmente expedidas
com base na lei então vigente) terão que ser renovadas, mas, além disso,
mesmo as novas licenças, expedidas com base na lei agora vigente,
passarão a ter vigência temporária, de três anos, devendo, portanto, ser
periodicamente renovadas.
II – A questão especificamente em exame
Neste passo, convém esclarecer que não
se trata, aqui, de discutir a periodicidade da autorização para o porte
de arma. Um a coisa é portar uma arma, trazê-la consigo, andar com ela
na rua. Outra coisa muito distinta é a licença para adquirir uma arma,
para mantê-la em seu domicílio. O registro de arma de fogo não autoriza o
porte da mesma arma.
Para que o conteúdo jurídico do registro
da arma seja perfeitamente entendido, é preciso explicar a sistemática
de aquisição de uma arma de fogo. Quando alguém vai adquirir uma arma,
precisa ter primeiro uma autorização de compra. Essa autorização é
precaríssima. Alguém querendo adquirir uma arma tem de se dirigir a uma
loja especializada, que lhe fornecerá o número da arma escolhida,
identificando-a. Sem essa autorização precária a loja não pode vender
arma alguma. Essa autorização precária serve apenas para que a loja
venda a arma, emita a nota fiscal, mas não a entregue ao adquirente. Uma
vez emitida a nota fiscal, o adquirente vai, então, solicitar o
registro da arma (adquirida, mas não entregue, nem recebida) à
autoridade policial competente. Sem aquela autorização precária , ele
nem pode pedir a licença. Ele também não pode pedir licença para
simplesmente comprar uma arma qualquer, indeterminada. Ele só pode pedir
licença para comprar uma específica e determinada arma. Essa
autorização precária de compra não serve para outra coisa a não ser
identificar a arma que se pretende adquirir. De posse dessa autorização
de compra é que se solicita o registro da arma.
Convém deixar bem claro que ninguém sai
de uma loja de armas com uma arma se não estiver registrada. Nos termos
do direito civil, não existe a tradição, a transferência do domínio da
arma para o particular adquirente, sem que aquela específica e
determinada arma esteja previamente registrada. O registro é condição de
aquisição da arma. O art. 5º da Lei nº 10.826, de 22/12/03, deixa isso
bem claro. Ele diz que o registro é condição de aquisição e permite
manter a arma em domicílio.
Essa parte final, “manter a arma de fogo
exclusivamente no interior de sua residência ou domicílio” é acaciana, é
o próprio óbvio. Se alguém adquire uma arma de fogo, vai ter que
mantê-la exatamente em seu domicílio, que é a sede do exercício dos seus
direitos. Não existe possibilidade lógica de que alguém adquira uma
arma para mantê-la no éter. Quem compra uma arma de fogo tem o direito
elementar de mantê-la em seu domicílio. Na verdade, o que o art. 5º está
dizendo é que a arma não pode sair do domicílio. Manter a arma em
domicílio é uma decorrência lógica, jurídica e natural da aquisição.
A questão jurídica está exatamente na
aquisição, na obtenção do direito de propriedade da arma. Quando o
adquirente obtém o registro, ele preenche uma condição de aquisição da
arma. Sem uma licença da autoridade competente, ninguém pode adquirir
arma de fogo alguma. Essa licença, expedida sob a forma ou com a
denominação de registro, habilita o interessado a adquirir uma
específica e determinada arma de fogo.
O que se pretende demonstrar é o
absurdo, do ponto de vista jurídico, da temporariedade ou da
periodicidade de tal registro, pois o ato de aquisição ocorre apenas uma
única vez e a manutenção da arma na posse do adquirente, em seu
domicílio, é mera decorrência da aquisição lícita. Não tem cabimento, é
um disparate, não faz sentido se falar em renovação da licença para
aquisição da arma.
A melhor doutrina é meridianamente clara
ao fazer a distinção entre licença e autorização. Merece transcrição o
ensinamento do consagrado HELY LOPES MEIRELLES (Direito Administrativo
Brasileiro. 29a. Edição. São Paulo: Malheiros, 2004. pp. 185-186):
“Licença é o ato administrativo
vinculado e definitivo pelo qual o Poder Público, verificando que o
interessado atendeu a todas as exigências legais, faculta-lhe o
desempenho de atividades ou a realização de fatos materiais antes
vedados ao particular, como, p. ex., o exercício de uma profissão, a
construção de um edifício em terreno próprio. A licença resulta de um
direito subjetivo do interessado, razão pela qual a Administração não
pode negá-la quando o requerente satisfaz todos os requisitos legais
para sua obtenção, e, uma vez expedida, traz presunção de
definitividade”
“Autorização é o ato administrativo
discricionário e precário pelo qual o Poder Público torna possível ao
pretendente a realização de certa atividade, serviço ou utilização de
determinados bens particulares ou públicos, de seu exclusivo ou
predominante interesse, que a lei condiciona à aquiescência prévia da
Administração, tais como o uso especial de bem público, o porte de arma,
o trânsito por determinados locais etc”
(Hely Lopes Meirelles Direito Administrativo Brasileiro. 29a. Edição. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 186).
Outro consagradíssimo luminar do Direito
Administrativo, CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO (Curso de Direito
Administrativo. 21a. Edição. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 424), mostra
que a licença para aquisição da arma, na verdade, se extingue no
momento em que é utilizada para essa específica finalidade. O registro
deve ser mantido apenas para comprovar a licitude da aquisição. Ao
discorrer sobre as formas de extinção dos atos jurídicos, esse eminente
autor, afirma que um ato jurídico eficaz extingue-se pelo cumprimento de
seus efeitos, o que pode suceder pelas seguintes razões:
a) “esgotamento do conteúdo
jurídico. É o que sucede com a fluência de seus efeitos ao longo do
prazo previsto para ocorrerem. Por exemplo: o gozo de férias de um
funcionário;
b) execução material. Tem lugar
quando o ato se preordena a obter uma providência desta ordem e ela é
cumprida. Por exemplo: a ordem, executada, de demolição de uma casa”.
Voltando ao texto, acima transcrito, do
Prof. Hely Lopes Meirelles, convém destacar que ele faz uma distinção
muito grande entre licença e autorização. Segundo ele, “licença é um ato
administrativo vinculado e definitivo”. E completa: “Uma vez expedida a
licença, ela traz a presunção de definitividade”. Por exemplo, quando
alguém quer construir uma casa, precisa de uma licença para edificar.
Uma vez edificada a casa, não há mais o que fazer. Da mesma forma, sendo
o registro da arma uma licença para que alguém adquira uma arma, não
tem sentido que seja temporária. A aquisição é definitiva. Não se pode
confundir a licença para comprar a arma com a autorização do porte de
arma. O Prof. Hely Lopes Meirelles destaca bem que “a autorização é ato
administrativo discricionário e precário” e dá como exemplo exatamente o
porte de arma. Esses dois diferentes atos jurídicos não podem ser
confundidos. A licença é para adquirir. Quem tiver uma licença, pode
adquirir uma específica e determinada arma de fogo, que passa a integrar
definitivamente seu patrimônio; quem não tiver a licença , não pode
adquirir arma de fogo alguma.
Quem adquire uma arma de fogo não pode
porta-la, não pode andar com ela; pode apenas mantê-la em seu domicílio.
Para sair com ela, precisa obter outro documento: a autorização para
porte de arma, que é temporária. É uma autorização, um ato
discricionário, precário, essencialmente temporário.
Registro e porte são coisas
completamente diferentes, e não existe nisso novidade alguma, porque
essa distinção já é feita pela legislação de controle de uso de Armas de
fogo desde 1930. É algo absolutamente sedimentado no direito
brasileiro. A Lei nº 10.826 é que contém uma novidade absurda, do ponto
de vista jurídico.
Também merece ser repetida a lição de
Celso Antônio Bandeira de Mello quanto ao exaurimento da licença. A
licença tem como finalidade possibilitar a aquisição da arma. Uma vez
adquirida a arma, a licença se extingue. Não tem sentido algum falar em
renovação da licença, porque ela morreu. Se a licença serve para
possibilitar a aquisição de uma específica e determinada arma, no
momento em que a aquisição se consuma esgota-se o seu conteúdo jurídico.
Quem, com base na licença, adquiriu legalmente uma arma de fogo, tem o
direito de mantê-la consigo, pois isso é inerente ao direito de
propriedade; não é “efeito” do registro.
Não se pode confundir essa licença, para
aquisição de arma de fogo, com, por exemplo, licenciamento de
automóvel. O licenciamento de veículo é de uso e não de propriedade. Não
há necessidade de licença para comprar o carro. Um menor de idade pode
ser proprietário de um carro. Uma vez comprado o carro, para circular
com ele é que se torna necessário ter uma licença. Sem essa licença, o
veículo não pode circular, mas a propriedade é do adquirente.
No caso da arma, a licença confere a
alguém o direito de ser proprietário de uma arma; o porte, por sua vez
(e que somente pode ser concedido se a arma houver sido legalmente
adquirida, tiver sido devidamente registrada) permite que o adquirente
saia com a arma. Quem tiver a licença, e não tiver o porte, tem apenas o
direito de ficar com a arma em seu domicílio.
O que não tem qualquer sentido é
desconstituir a licença, pelo decurso de tempo. Cabe perguntar: quem foi
a uma loja e comprou legalmente uma determinada arma, passados os três
anos, o que deve fazer? “Descomprar” a arma ? O Direito não briga com o
bom senso. Quando a lei agride o bom senso, é porque lhe foi dada uma
interpretação equivocada ou tem alguma inconsistência ou
incompatibilidade com a ordem jurídica. No caso em exame, há uma
pluralidade de inconstitucionalidades.
III – Inconstitucionalidades
A Constituição Federal (clique aqui),
em seu art. 1º, inciso III, afirma que o direito à dignidade da pessoa
humana é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. Não
se trata de um direito qualquer, entre tantos outros, mas, sim, de um
direito fundamental, que compreende a manutenção da integridade física,
psíquica e social.
Não é difícil exemplificar uma forma de
violação desse direito fundamental. . Quem já foi vítima de assalto, de
seqüestro ou de estupro sabe o que é o vexame, sabe o que é o
constrangimento, sabe o que é a destruição moral da pessoa. Quem não foi
vítima, certamente já leu sobre isso e sabe que o estresse provocado
por tal violência se equipara ao que é causado pela guerra.
Não se pretende, aqui, utilizar um argumento “ad terrorem”,
mas citar apenas um exemplo de um lastimável tipo de ocorrência
bastante freqüente, qual seja o assalto seguido de estupro de um membro
da família diante dos demais. Como fica essa família? Não é possível entender que a Constituição determine que os cidadãos devam quedar-se inermes diante de um risco dessa natureza.
Se a Constituição afirma,
garante, assegura o direito à dignidade, não pode a Administração
Pública privar o cidadão de meios para assegurar a autodefesa, a
proteção contra situações de risco ou de concreta violação de sua
dignidade pessoal. Se a posse de uma arma em seu domicílio é suficiente ou eficiente para isso, essa é uma opção do titular do direito; não do Estado.
Talvez a relevância do direito à auto defesa fique mais clara se cotejada com a hipótese contrária. Basta imaginar, apenas “ad argumentandum”,
a possibilidade da proibição absoluta da posse de armas de fogo em
domicílio. Nessa hipótese, os assaltantes e seqüestradores teriam a
garantia absoluta de que não correriam qualquer risco ao invadir uma
residência. Ou seja, vedar ao particular o exercício da autodefesa, além
de agredir a constituição é também um incentivo ao crime
Cabe ao cidadão – não ao Estado –
decidir se quer ou não ter uma arma de fogo em seu domicílio. A
liberdade de escolha é assegurada pelo “caput”
do art 5º da Constituição Federal, artigo esse que abre o leque de
direitos e garantias diretamente conferidos ao cidadão e que fazem parte
do chamado cerne fixo da Constituição.
Diversos desses direito e garantias,
elencados no art. 5º, estão sendo violados pela exigência de renovação
da licença para aquisição de arma de fogo. Por se tratar de algo
realmente fundamental, por ser uma violação da ordem jurídica muito mais
grave do que a transgressão de uma lei isolada ou de algum regulamento,
é importante que tais ofensas à Constituição sejam examinadas em
detalhe. Para isso, de imediato, convém transcrever o “caput” do art. 5º , depois, ao longo do texto, os específicos incisos vulnerados.
“Art. 5º Todos são
iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se
aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes (…)”:
O art. 5º assegura a
inviolabilidade do direito à vida, o que compreende, também, a
incolumidade pessoal, física, psíquica e moral. Ao garantir a vida e a
incolumidade pessoal a Constituição confere ao cidadão o direito de se
defender, que não afeta nem se contrapõe ao direito de contar com a
segurança pública. De resto, nos termos do art. 144, o cidadão tem o
dever de colaborar com a segurança pública e uma forma de cumprir essa
obrigação é zelar pela própria defesa.
Mas
o direito e dever de zelar pela própria defesa requer a disponibilidade
de meios eficientes para isso. É certo, portanto, que a Constituição
não autoriza o Poder Público a privar o cidadão de instrumentos de
autodefesa, ou, de alguma forma, de maneira indireta, dificultar ou
impedir que alguém cuide de sua defesa pessoal, de sua família e de seus
bens.
Esse direito à autodefesa é assegurado igualmente a todos os cidadão, mas a exigência de renovação do registro ofende também o direito à igualdade, também expressamente previsto no “caput” do art. 5º da CF.
Com efeito, a obtenção do registro já é
onerosa, mas a exigência de renovação periódica desse mesmo registro
multiplica os custos dessa licença, criando uma inaceitável (e
inconstitucional) diferença entre pobres e ricos. Convém esclarecer que
para a renovação do registro o interessado deve pagar as taxas
correspondentes, obter um sem número de certidões, apresentar um laudo
profissional atestando sua aptidão psicológica para ter uma arma e,
ainda, um documento oficial comprobatório de sua aptidão para o uso de
arma de fogo. Tudo isso custa muito caro. Fazendo uso do deplorável jargão político atualmente em moda: as elites podem ter arma, o cidadão comum não pode.
“X - são
invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das
pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral
decorrente de sua violação”;
A inviolabilidade da intimidade, da vida
privada, da honra e da imagem das pessoas significa, literalmente, que
isso tudo não pode ser violado, ofendido ou afetado. Dado que os
organismos da segurança pública não podem materialmente evitar
universalmente tais violações, em toda e qualquer residência, é
irrecusável a impossibilidade de impedir que o próprio morador se
defenda, com meios próprios e suficientes para dissuadir qualquer
eventual invasor.
Nunca é demais lembrar que uma
enorme parte da população vive em locais ermos, nas zonas rurais, sem
possibilidade de comunicação imediata com vizinhos e, muitíssimo menos,
com as autoridades policiais.
Em situações desse tipo, um tiro
de advertência tem um enorme poder dissuasório. Não é preciso que o
detentor da arma seja um grande atirador, nem é desejável que acerte ou
mate o invasor. Basta impedir a invasão.
“XI - a casa é
asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem
consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre,
ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”;
No mesmo sentido e com a mesma amplitude
da inviolabilidade acima assinalada, o inciso XI diz que a casa é asilo
inviolável do indivíduo. Convém repetir, portanto, que isso significa
que a casa não pode ser violada. Não significa apenas que, se alguém
violar uma casa, esse invasor será punido. A garantia
constitucional é muito mais ampla, significando que o morador tem
direito impedir que sua casa seja violada, podendo dispor dos meios para
isso necessários, exatamente porque a Constituição estabelece que a
casa é asilo inviolável do indivíduo.
Essa
declaração enfática feita pelo texto constitucional não é meramente
romântica, não indica apenas um ideal desejável, mas, sim, é um
mandamento jurídico, impondo deveres à Administração e conferindo
direitos ao cidadão, o qual, em princípio, tem direito de possuir uma
arma de fogo em seu domicílio. Ao outorgar a licença,
sob a forma de registro, a Administração não está dando esse direito ao
cidadão, mas, conforme os ensinamentos doutrinários acima referidos,
apenas reconhecendo um direto que lhe é dado diretamente pela
Constituição.
“XXII - é garantido o direito de propriedade”;
O direito de propriedade também está
sendo afetado por essa temporariedade do registro. Conforme foi acima
demonstrado, o registro é, juridicamente, uma licença para a aquisição
de uma arma de fogo. Uma vez adquirida, a arma passa a integrar definitivamente o patrimônio da pessoa adquirente.
Não faz sentido ter um direito de propriedade temporário, porque a
propriedade só pode ser desconstituída mediante prévia e justa
desapropriação, em dinheiro, por sentença judicial, se e quando houver
necessidade ou utilidade pública em que aquele determinado bem passe a
integrar o patrimônio público.
A Constituição não tolera a
extinção do direito de propriedade por decurso de prazo. Nem se diga que
a expiração do prazo do registro não estaria extinguindo a propriedade,
pois se o proprietário não puder ficar com a arma de fogo em seu
domicílio estará sendo subtraído o conteúdo essencial do direito de
propriedade, que é o de ter, usar e dispor do bem. Também não se cometa o
disparate de dizer que, se não renovar a licença, o proprietário da
arma teria que proceder a uma venda compulsória, pois isso também
ofenderia a essência do direito de propriedade.
“XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”;
O cidadão adquire o direito de ter uma
arma em domicílio quando obtém a licença, e esse direito é protegido
pela Constituição. Convém repetir, ainda outra vez, que esse direito lhe
é dado pela lei (no caso, pela Constituição) e é apenas reconhecido
pela autoridade administrativa competente. A outorga da licença é um ato jurídico perfeito e acabado, do qual resulta, para o adquirente, um direito adquirido e intangível.
“LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”;
Ninguém será privado dos seus bens sem o
devido processo legal. Não se extingue o direito de propriedade, mesmo
que existam fundamentos para isso, sem o devido processo legal, sem que o
prejudicado possa exercitar seu direito de defesa, com os meios e
recursos a isso inerentes. Entretanto, conforme foi acima
demonstrado, a temporariedade da licença extingue o direito de
propriedade sem qualquer processo, automaticamente, o que não é
comportado pela ordem jurídica.
“LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”;
O efeito mais absurdo e mais perverso da temporariedade da licença é transformar alguém em criminoso “ex lege”,
contrariando a garantia constitucional no sentido de que ninguém será
considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal
condenatória.
Com efeito, o art. 12 da Lei nº 10.826 tipifica como conduta criminosa a simples posse ilegal de arma de fogo.
Quem, agora, adquirir legalmente uma arma de fogo, passados três anos,
se não renovar a licença, se transformará, como num passe de mágica, em
criminoso.
Muito pior é a situação daquelas
pessoas que, ao longo do tempo, há muitos anos, adquiriram legalmente
armas de fogo, procedendo ao devido registro nos órgãos estaduais então
competentes. A Lei nº 10.826, pela
exigência de renovação daquelas antigas licenças no prazo de três anos,
junto aos órgãos federais, vai criar uma multidão de delinqüentes.
Conforme as estatísticas existentes, em princípio, no dia 23 de dezembro de 2006, teremos 6,8 milhões de brasileiros criminosos “ex lege”. Na melhor das hipóteses, isso vai inundar o Poder Judiciário de pedidos de “habeas corpus” e mandados de segurança.
Mas pode acontecer uma coisa bem pior,
qual seja o incentivo à informalidade. A partir do dia 23 de dezembro,
poderá acontecer uma verdadeira “epidemia” de furto de armas de fogo, ou
seja, de lavratura de boletins de ocorrência, formalizando uma
declaração de furto de arma. Diante desse constrangimento, dessa
onerosidade, não é difícil acontecer que muita gente, para se livrar da
condição de criminoso, se livre de sua arma anteriormente legal,
colocando-a na informalidade.
Quem “legalizar” a arma
legalmente adquirida vai ter, daí para diante, um enorme
constrangimento, vai enfrentar uma formidável burocracia, vai ter
despesas vultosas, sendo, portanto, muito mais conveniente manter a arma
simplesmente escondida em casa. A história é rica de exemplos em que a
intenção do legislador é uma, e o resultado é outro. Não é preciso ir
muito longe, basta lembrar da Lei Seca, nos Estados Unidos. Se não for
possível manter uma arma lícita, não restará ao cidadão senão
conformar-se com a ilicitude.
IV – Questão jurídica
A questão crucial, questão propriamente
jurídica, é que a Lei nº 10.826, em seu art. 35, previa a proibição
geral de comercialização de armas de fogo. Essa previsão expressa da
lei, todavia, tinha sua eficácia dependente da realização de uma
consulta popular, sob a modalidade de referendo. Tal referendo foi
realizado, e o resultado foi totalmente contrário a essa proibição
absoluta. A população brasileira, diretamente, não concedeu eficácia e
retirou a validade do dispositivo que estabelecia o banimento geral das
armas de fogo.
Porém, como a lei, no mencionado art. 35
estabelecia a proibição geral do comércio e posse de armas de fogo,
isso era um pressuposto do tratamento dado à matéria e todo o contexto
normativo foi feito todo em cima dessa proibição universal. Ou seja,
toda a disciplina do controle de armas de fogo, estabelecida por essa
lei, tem como fundamento, base ou ponto de partida a proibição geral da
comercialização de armas, tendo como exceções apenas algumas hipótese,
como é o caso das empresas de segurança, dos policiais e membros do
Ministério Público e do Poder Judiciário.
A lei foi feita em consonância com essa
proibição geral e irrestrita, tratando a possibilidade de um cidadão
comum ter uma arma como algo absolutamente excepcional, como rigorosa
exceção. Exatamente por essa razão, visando dificultar ao máximo a posse
de arma de fogo pelo cidadão comum, a lei criou um inferno burocrático,
altamente oneroso, para quem, excepcionalmente, comprovasse ter
necessidade de uma arma de fogo.
Todo esse inferno burocrático é
inconstitucional, evidentemente, pois a Constituição assegura o direito
de cada cidadão, se assim o desejar, possuir uma arma de fogo para sua
autodefesa. Como todo direito, esse também não é absoluto e seu
exercício pode depender de condições estabelecidas em lei, mas, não,
condições de tal complexidade e onerosidade que, na verdade, aniquilam o
direito constitucionalmente assegurado.
As condições estabelecidas na
Lei nº 10.826, de 22/12/03, na medida em que contrariam a Constituição
Federal, inviabilizando o exercício de um direito por ela garantido, configuram patente desvio de poder no exercício da função legislativa,
conforme a claríssima lição contida no voto do Ministro Relator, CELSO
DE MELLO, em Acórdão do Supremo Tribunal Federal, na ADI 1.158-8 AM, o
qual parcialmente se transcreve:
“Refiro-me, nesse específico contexto, à questão pertinente ao abuso da função legislativa.
Todos sabemos que a cláusula de
devido processo legal – objeto de expressa proclamação pelo art. 5º.,
LIV, da Constituição – deve ser entendida, na abrangência de sua noção
conceitual, não só sob o aspecto meramente formal, que impõe restrições
de caráter ritual à atuação do Poder Público, mas, sobretudo, em sua
dimensão material, que atua como decisivo obstáculo à edição de atos
legislativos de conteúdo arbitrário ou irrazoável.
A essência do substantivo due
process of law reside na necessidade de proteger os direitos e as
liberdades das pessoas contra qualquer modalidade de legislação que se
revele opressiva ou, como no caso, destituída do necessário coeficiente
de razoabilidade.
Isso significa, dentro da
perspectiva da extensão da teoria do desvio de poder ao plano das
atividades legislativas do Estado, que este não dispõe de competência
para legislar ilimitadamente, de forma imoderada e irresponsável,
gerando, com o seu comportamento institucional, situações normativas de
absoluta distorção e, até mesmo, de subversão dos fins que regem o
desempenho da função estatal.
Daí, a advertência de CAIO TÁCITO
(in RDP 100/11-12) – que, ao relembrar a lição pioneira de SANTI ROMANO,
destacou que a figura do desvio de poder legislativo impõe o
reconhecimento de que, mesmo nas hipóteses de seu discricionário
exercício, a atividade legislativa deve desenvolver-se em estrita
relação de harmonia com o interesse público.”
Esse
inferno burocrático, estabelecido pelo legislador ordinário, além de se
chocar com todos os dispositivos constitucionais acima transcritos,
contraria, também, os princípios constitucionais da eficiência, da
razoabilidade, da proporcionalidade, da adequação. O
Estado tem de atuar com a mínima onerosidade possível. O Poder Público
não pode exigir do cidadão senão aquilo que for estritamente necessário
para a satisfação do interesse público, nada mais.
A
conjugação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade impede
que a Administração faça exigências exageradas e, também, exigências
inúteis. Com desagradável freqüência o cidadão se depara
com exigências totalmente despropositadas, inúteis, ditadas
simplesmente pelo propósito de arrecadar os emolumentos correspondentes
ou como uma demonstração de poder e para exigir uma submissão do
interessado, ou, ainda, como forma de dificultar ou mesmo impedir o
exercício de direitos. Vale aqui lembrar que na Espanha, conforme
demonstra TERESA NUÑES GOMEZ (Abuso en la exigencia documental y garantias formales de los administrados,
Universidad de Oviedo, Atelier Libros Jurídicos, Espanha, 2005, p. ), o
art. 35 da Lei do Regime Jurídico da Administração Pública e do
Procedimento Administrativo Comum (Ley 30/1992, de 26 de noviembre)
confere aos cidadãos o direito público subjetivo de não apresentar
documentos inúteis, desnecessários, inexigíveis ou reiterativos. A
Administração Pública não tem o direito de simplesmente aborrecer,
perturbar ou molestar o cidadão. Não cabe à Administração Pública, nem
mesmo com base na lei, criar dificuldades ao exercício de direitos
constitucionalmente assegurados, pois isso atinge o cerne da cidadania, o
âmago da liberdade, a própria dignidade da pessoa, configurando patente
inconstitucionalidade.
Em obediência a essa orientação
constitucional, no sentido de que o Poder Público não pode criar
dificuldades artificiais ou exigências inúteis aos administrados, a lei
geral de processo administrativo da União, Lei nº 9.784 de 29/1/99, em
seu art. 3º, estabelece um rol de direitos do cidadão em sede
administrativa, do qual merece destaque o disposto no primeiro inciso:
“Art. 3º . O administrado tem os seguintes direitos perante a Administração, sem prejuízo de outros que lhe sejam assegurados:
I
– ser tratado com respeito pelas autoridades e servidores, que deverão
facilitar o exercício de seus direitos e o cumprimento de suas
obrigações;”
Impedir ou dificultar o exercício de um
direito é exatamente o contrário daquilo que estabelece a lei geral de
processo administrativo, a qual, nesse particular, está apenas
explicitando ou traduzindo em uma específica e expressa norma de direito
positivo aquilo que já está implícito na Constituição Federal e que a
doutrina enquadrou como inerente aos princípios da eficiência, da
proporcionalidade e da razoabilidade, já fartamente aplicados pelos
tribunais superiores.
V – Duplo desvio de foco
Saindo um pouco do aspecto estritamente
técnico-jurídico, para fazer uma apreciação mais ampla, destinada a
evidenciar o despropósito e a falta de razoabilidade do tratamento dado a
essa matéria pela legislação em exame, é possível demonstrar a
ocorrência de um duplo desvio de foco
Primeiramente, não é preciso muito
esforço para demonstrar que o Brasil tem, atualmente, um seriíssimo
problema de criminalidade. Além da criminalidade violenta comum, existe,
ainda, o chamado crime organizado, com o crescimento, em volume e
poder, das organizações criminosas.
Criminoso não compra arma em loja, nem,
muito menos, usa armas roubadas de particulares, pois as armas de grande
poder de fogo, usadas pela bandidagem, não são e nunca foram
comercializadas no Brasil. O grande problema é o contrabando de armas,
ligado ao tráfico internacional de drogas entorpecentes.
Porém, em vez de termos o foco
centrado no crime, estamos usando a máquina administrativa para
perseguir o cidadão de bem, a pessoa que quer defender seu lar e sua
família. Estamos usando uma tremenda máquina burocrática, estamos
comprometendo a estrutura administrativa, valiosos recursos pessoais e
financeiros para perseguir o cidadão comum.
Em
lugar de coibir o tráfico de armas ilegais, estamos concentrando
esforços para infernizar os cidadãos que adquiriram legalmente armas de
autodefesa, que registraram tais armas de acordo com a legislação então
vigente e que não pretendem, de maneira alguma, esconder ou desviar
essas mesmas armas, as quais efetivamente figuram nos cadastros dos
organismos policiais estaduais competentes.
O segundo desvio de foco é tratar o adquirente
da arma como um delinqüente presumido. Presume-se que quem vai adquirir
uma arma está mal intencionado e, portanto, tem de ser cerceado,
controlado, vigiado. Presume-se que ele está predestinado a ser um
delinqüente. Isso é completamente
contrário à dicção constitucional segundo a qual ninguém é considerado
culpado a não ser mediante sentença criminal transitada em julgado.
Na
verdade, incontestável, quem tem ou quer ter uma arma legal,
registrada, é alguém movido por boas intenções, preocupado com sua
autodefesa. Quem tiver más intenções não vai comprar uma arma
legal, pois é muitíssimo mais fácil e mais barato comprar de
traficantes. Como se sabe, como é público e notório, o comércio de
produtos pirateados, ilegais, é espantosamente crescente e escancarado
no Brasil.
Veja-se a situação de
colecionadores e praticantes de tiro esportivo. O colecionador é alguém
que quer preservar um acervo para a coletividade para a posterioridade,
é, acima de tudo, um altruísta. O praticante de tiro esportivo é um
esportista, alguém que pratica o tiro como atividade de lazer, valendo
lembrar que a primeira medalha de ouro olímpica do Brasil foi obtida
exatamente por um atirador esportivo. Qual o perigo ou ameaça que essas
pessoas apresentam para a sociedade?
Está acontecendo com o cidadão que
deseja possuir uma arma o mesmo fenômeno que afeta os contribuintes em
geral. Quem sonega não tem problema algum: sonega, não paga, e acabou;
mas se tiver algum problema é só esperar por uma anistia. Já o
contribuinte que efetivamente quer pagar os impostos devidos, tem que
sofrer as penas do inferno com as obrigações acessórias, para as quais a
legislação cria todos os empecilhos, dificuldades e problemas
possíveis. Pagar o imposto exige uma série de providências altamente
onerosas. Ou seja: punimos quem paga imposto.
O mesmo acontece no caso das armas. Quem
está na informalidade está tranqüilo, não tem problema algum; quem
quiser cumprir a lei vai sofrer o inferno burocrático e vai gastar muito
dinheiro.
VI – Questão democrática – O resultado do referendo
Por último, não pode ficar sem
registro o resultado do referendo sobre a proibição total do comércio e
posse de armas pelas pessoas de bem. A
população brasileira, apesar da enorme e massiva propaganda enganosa
oficial, entendeu perfeitamente que se estava pretendendo desarmar as
vítimas e, como decorrência inafastável, dar melhores condições de
atuação, maior segurança, aos delinqüentes. O resultado foi acachapante: quase 70% dos eleitores repudiaram o já referido art. 35 da Lei nº 10.826/03.
O
que se pretende agora, com a absurda exigência de renovação do registro é
obter, com desvio de poder, aquilo que se perdeu nas urnas. O
povo brasileiro se manifestou claramente num determinado sentido. A
orientação geral da lei foi baseada no art. 35, que caiu, não existe
mais; foi retirado da ordem jurídica em razão do resultado do referendo.
Quando
a Constituição, no art. 1º, parágrafo único, diz que todo o poder emana
do povo, que pode exercê-lo diretamente, como é o caso do referendo,
isso somente pode significar que essa vontade deve ser respeitada. Atenta contra o princípio democrático a criação de meios e instrumentos para burlar a vontade manifestada nas urnas.
Nem se diga, num assomo de hipocrisia,
que o que se está pretendendo é assegurar ao cidadão o controle de suas
armas, dificultando a comercialização de armas roubadas. Para isso, não
há necessidade alguma de re-cadastramento, bastando que os órgãos
policiais estaduais repassem seus arquivos para a polícia federal. Se
houvesse alguma honestidade de propósitos, bastaria que a polícia
federal convidasse ou incentivasse os detentores de armas legais a
procederem, até pela internet, uma simples comunicação à polícia
federal, sem maiores empecilhos burocráticos, exigências absurdas e
gastos vultosos.
Na verdade, o Governo Federal
está claramente tentando aterrorizar as pessoas de bem, para que estas,
zelando por sua dignidade pessoal, temerosas de serem consideradas
criminosas, se submetam à vulneração de seus direitos constitucionais. O Governo sabe como é difícil e caro recorrer ao Poder Judiciário e, além disso, conta com a complacência do Ministério Público.
Com efeito, a exigência de renovação de registro ofende direitos de toda uma coletividade.
Deixando de lado a discussão sobre se esse caso configura a existência
de direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos, é certo que,
em qualquer dessas hipóteses, o Ministério Público deveria agir em defesa da massa de cidadãos honestos, cumpridores da lei, que estão sendo ameaçados,
conforme ensina a Eminente Desembargadora Federal, CONSUELO YATSUDA
MOROMIZATO YOSHIDA, “Tutela dos interesses difusos e coletivos”, Editora
Juarez de Oliveira, 2006, p. 21:
“A legitimidade ad causam
ativa e o interesse processual do Ministério Público na tutela
jurisdicional coletiva dos direitos individuais homogêneos decorre da
relevância social dos interesses materiais envolvidos de forma mediata, e
não apenas do número elevado de beneficiários da tutela jurisdicional
invocada: a tutela do Estado Democrático de Direito em face da violação
em massa da ordem jurídica (bem difuso); a tutela da cidadania e da
dignidade da pessoa humana em face da lesão em massa, individualmente
experimentada e aferível; do direito (difuso) à habitação, transporte
coletivo, educação e ensino, saúde, previdência e assistência sociais.
No plano processual, a
relevância social dos interesses em jogo a legitimar a atuação do órgão
ministerial decorre das vantagens e conveniência da utilização de uma só
ação (coletiva) para defesa de uma série de direitos e interesses
individuais, sem o risco de decisões conflitantes sobre a mesma matéria,
atendendo, ademais, aos propósitos de ampliação do acesso á justiça com
desafogamento e agilização do Poder Judiciário, para garantia da maior
efetividade da tutela jurisdicional.”
Resta ainda a esperança de que o
Congresso Nacional, sensível à inequívoca demonstração de vontade do
povo, manifestada no referendo, revogue, de uma vez, a Lei nº 10.826/03,
ou, pelo menos, a exigência da renovação do registro.
FONTE: Professor Doutor Adilson de Abreu Dallari , consagrado Prof.
Titular de Dir. Administrativo da PUC/SP - Prof. Titular de Dir. Administrativo da PUC/SP
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